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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A revisão jurisprudêncial do STJ sobre o alcance objetivo e subjetivo dos efeitos da sentença coletiva


O art. 16 da LACP (Lei 7.347/85), modificado pela Lei 9.494/97 dispõe que:

"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."

A redação do referido dispositivo sempre foi alvo de duras críticas por parte da doutrina, a qual dizia ser o artigo inconstitucional e ineficaz. Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr formulam as seguintes críticas em sua obra Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Vol 4, 2009:

1) a aplicação do artigo causa prejuízo a economia processual e fomento ao conflito lógico e prático de julgados.

2) o dispositivo representa ofensa aos princípios da igualdade e do acesso à justiça, pois cria tratamento diferente aos jurisdicionados em situação idêntica;

3) existe indivisibilidade ontológica do objeto da tutela coletiva, ou seja, é da natureza dos direitos coletivos sua não separatividade no crso da demanda, sendo legalmente indivisíveis;

4) há equivoco na técnica legislativa na medida em que se confunde competência, como critério legislativo para repartição da jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é uma em todo o território nacional;

5) há ineficácia da regra de competência em si, vez que o legislador estabeleceu no art. 93 do CDC que a competência para julgamento de causas de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos Estados ou no CF, ampliando, portanto, a “jurisdição do órgão prolator”.

Nada obstante, em que pese as inúmeras críticas da doutrina, a jurisprudência majoritária, inclusive do STJ, mantinha o entendimento no sentido de que a norma contida no art. 16 da LACP era válida e eficaz. Neste sentido, colaciona-se o seguinte julgado de abril de 2011:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA DA SENTENÇA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR.
1. A sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei 7.347/85, alterado pela Lei 9.494/97. Precedentes. Agravo no recurso especial não provido. (AgRg no REsp 1105214 / DF
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0250917-1 Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Data do Julgamento 05/04/2011)

Ocorre que no julgamento do REsp Nº 1.243.887 – PR, de dezembro de 2011, a Corte Especial do STJ entendeu que as decisões tomadas em ações civis públicas devem ter validade nacional, não tendo mais suas execuções limitadas aos municípios onde foram proferidas, afastando, assim, a incidência dos limites impostos pelo art. 16 da LACP.

O relator do caso foi o ministro Luis Felipe Salomão e a decisão se deu em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos (543-C do CPC), fazendo com que o precedente gere efeitos em outros processos que tenham a mesma causa de pedir em relação aos limites objetivos e subjetivos das sentenças proferidas em processos coletivos.

Para o STJ, a liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva podem ser ajuizadas no foro do domicílio do beneficiário, porque os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a limites geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais discutidos em juízo.

Segue a ementa do julgado que representa a revisão do posicionamento do STJ sobre o tema:

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).
1.2. A sentença genérica proferida na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97.
2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1243887 / PR. Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 19/10/2011. Data da Publicação/Fonte DJe 12/12/2011)

Ademais, transcreve-se os seguintes trechos do voto do Ministro Relator:

Com efeito, como ocorreu no caso dos autos, pode o consumidor ajuizar a liquidação/execução individual de sentença proferida em ação civil pública no foro do seu próprio domicílio, e não se há falar em limites territoriais da coisa julgada, como argumenta o recorrente.

Aduz o recorrente, nesse ponto, que o alcance territorial da coisa julgada se limita à comarca na qual tramitou a ação coletiva, mercê do art. 16 da Lei das Ações Civis Públicas (Lei n. 7.347/85) 

(…)

Tal interpretação, uma vez mais, esvazia a utilidade prática da ação coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escala nacional ou regional, a ação somente pode ser proposta na capital dos Estados ou no Distrito Federal (art. 93, inciso II, CDC). Assim, a prosperar a tese do recorrente, o efeito erga omnes próprio da sentença estaria restrito às capitais, excluindo todos os demais potencialmente beneficiários da decisão.

A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é "efeito" ou "eficácia" da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la "imutável e indiscutível".

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites da lide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

(…)

A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual "a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário" (REsp 293.407/SP, Quarta Turma, confirmado nos EREsp. n. 293.407/SP, Corte Especial), em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide.

Caso contrário, "esse diferenciado regime processual não se justificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria privado de tutela judicial em sua dimensão coletiva, reconvertido e pulverizado em multifárias demandas individuais" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit. p. 325), "atomizando" as lides na contramão do moderno processo de "molecularização" das demanas.” (REsp 1243887 / PR. Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 19/10/2011. Data da Publicação/Fonte DJe 12/12/2011).

2 comentários:

  1. Obrigado pelo artigo.
    Enio

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  2. A bem da verdade, considero injusta a citação do precedente da Min. Nancy Andrighi pois ela claramente é contrária à posição de limitação territorial. Mesmo nesse precedente citado, ela faz questão de frisá-lo. "A despeito de minha posição pessoal, que já deixei consignada em diversas oportunidades, no julgamento dos EREsp 399.357/SP, DJe de 14/11/2009 e EREsp 411.529/SP, DJe de 24/3/2010, ambos de relatoria do Min. Fernando Gonçalves, a 2ª Seção desta Corte assentou o entendimento de que “a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97.”

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